segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O Caderno



Sempre tive uma verdadeira fascinação pela escrita em todas as suas manifestações. Meu primeiro contato com este mundo maravilhoso se deu muito cedo e a parede do meu quarto logo se transformou em meu painel predileto, para desespero da minha mãe, que para resolver este entrave me presenteou com cadernos e folhas de ofício que me acompanhariam “do primeiro rabisco até o bê-á-bá” [custavam menos que a tinta da parede e não inibiria meu desenvolvimento motor].

Entrei na escola um pouco tarde [por volta dos 6 anos], mas já sabia fazer desenhos “incríveis” e escrever a palavra mais linda e importante deste mundo: Patrícia. Eu fazia um “P” bem grande e desenhava flores, coelhos, casinhas... Minha família aplaudia. Conheci a primeira professora que me pareceu ser uma pessoa bem amável, mas bastou minha mãe dobrar a esquina e aquela criatura sem dotes para o magistério mostrou suas garras: “Entrem! Vamos logo! ‘Crionças’! Se não for no grito vocês nunca obedecem! Deus me livre de filhos”... Bem que aquela menininha da outra turma havia me avisado que a professora era bem brava. A aula começou e logo a “mestra” pediu que tentássemos copiar algumas letras que ela escreveria no quadro. Seria minha chance! Eu escreveria as letrinhas e desenharia coisas bem bonitas no meu caderno, quem sabe este seria um bom jeito de atingir a sua emoção? Afinal todos lá em casa gostavam dos meus desenhos, a pró não seria diferente.  Fiz conforme planejado. Quão grande foi minha decepção quando, cheia de encantamento, mostrei minha atividade para aquele ser bestial. “O que é isto? Você não sabe fazer o que alguém manda? Acho que teremos problemas! Que coisa ridícula!”. Como poderia ser ridícula aquela coisinha meiga que eu fiz com tanto carinho? Aquela professora, que nem vale citar o nome, era antes de tudo uma louca e eu, antes de tudo, uma teimosa...

Passaram-se oito anos. O cenário era outro: escola pública, aula de Português, caderno grande e uma Patrícia um pouco diferente por fora, mas com a mesma irreverência, embora mais contida, de sempre. Esta nova professora era mesmo diferente. Como pode uma pessoa que leciona Língua Portuguesa usar os assuntos de outras disciplinas em suas aulas? Era inédito para mim alguém permitir e até provocar que nossas atividades revelassem nossa personalidade e dotes artísticos. Eu achava que aquilo era bom demais para ser verdade e me limitei a assistir suas aulas e admirá-la, de longe, afinal ela também trazia consigo um ar de seriedade e eu preferia não arriscar.

Certo dia ela chegou irradiando beleza. Peguei meu caderno e fiz uma caricatura. Mal terminei e fui assaltada por minha colega que disse: “Vou mostrar para a professora!!!”. Pedi, implorei, quase chorei, mas a danada entregou mesmo. A professora me olhou bem séria e pediu que eu ficasse um pouco mais depois da aula. Gelei. A turma esperava no pátio que o pior pudesse acontecer. Que surpresa quando aquela mulher tão imponente me olhou e disse: “Obrigada, foi uma homenagem linda. A escola irá realizar uma exposição de arte e, se você quiser, posso te oferecer um painel bem grande onde você possa se expressar à vontade”. Aceitei. Reproduzi no painel a figura da Professora Maria José Grillo, que é, antes de tudo, um ser humano lindo e sabe muito bem o sentido do verbo “Educar”.


Patrícia Braille/2004

Um comentário:

  1. Paty, ameei sua postagem! Você escreve muito bem ^^
    Faltou só uma fotinha da caricatura, posta pra gente, vaiii?! =D

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